Os olhos de minha Mãe.
são os mais lindos...
de todos os olhos!
Verdes!
Como só eles podem ser.
A sua pele avermelhada-morena
só como ela a pode fazer morena!
As suas mãos grandes e bonitas,
só ela as pode ter...
As suas sobrancelhas bem arranjadas
só ela é que as tem.
Para mim
não há olhos
tão bonitos,
como os de minha Mãe!
Manaus, Setembro de 1976
Resolvi hoje fazer mais uma reedição de um "post" que constava da primeira versão do conteúdos e que fora publicado em 3 de Setembro de 2007, e faço-o porque encerra uma das minhas maiores dores, uma daquelas que dói todos os dias e que não deixo transparecer, embora muitos dos que me conhecem saberem que continua presente dentro de mim.
P.S. A irmã do meu filho Lucas Chama-se Madonna e presentemente já não está nos açores mas numa instituição similar no Alentejo.
... e desta vez ponho musica.
Por ontem ter sido dia da mãe, é que hoje volto a publicar um Post que já tinha publicado em julho do ano Passado. Pois se hoje eu e minha mãe Esmeralda estamos vivos, foi graças à batalha pela vida, travada há quarenta e dois anos atrás.
Ontem, domingo, dia da mãe reunimos aqui em casa cinco mães da nossa familia, dos 89 aos trinta anos, foi a homenagem que eu e a minha companheira Lis, quisemos prestar às mães mais chegadas da nossa familia.
O Post que aqui publico novamente, alguns já conhecem da primeira edição.
O menino da mão fechada
Era um recem nascido perfeito e , de inicio, não deu para notar que a sua mãozinha direita estava sempre fechada.Mais tarde, quando começou a andar, igualmente se descobriu que seu pezinho direito não pisava o chão de uma maneira perfeita. E foi o acaso que fez encontrar o pai do menino com um dos médicos assistentes à cesariana e que relatou:
O médico obstetra, ao abrir o utero da mãe, teve o azar de cortar a artéria que passa naquele orgão, o que na maior parte dos casos origina uma hemorragia que leva a parturiente à morte.
Por felicidade, o obstetra conseguiu segurar a artéria fazendo dos seus dedos uma autentica pinça hemostática e , ao fim de algum tempo conseguiu igualmente laquear o corte salvando, assim a vida da mãe.
Mas quanto ao nascituro, ele não pode contar com a assistencia devida acabando por ficar em morte aparente, e, uma vez considerado morto foi retirado duma maneira displicente com o forceps pegando no seu tenro pescoço.Esta displicencia iria originar uma lesão no feixe nervoso, causa da deficiencia na mão e no pezinho.
E a criança fez-se homem, aparentementeconvivendo com o seu problema fisico pelo que pareceu não valer a pena dizer:
-Menino, olha com orgulho para essa mão e, também para o teu pé, pois tua mão está fechada porque foi ela que segurou a vida da tua mãe e o teu pé está algo torto pela violência do pontapé que deu na morte.
Mas hoje, conhecendo-se melhor o seu intimo, verifica-se que ele anseia por uma maior liberdade para o seu autentico ser, sendo notória uma certa incerteza na escolha de um caminho que o leve à sua completa realização.
Assim, seria caso para se dizer:
-Liberta-te, vai tratar de abrir essa mão, vai aperfeiçoar o teu pé para conseguires um caminhar mais firme.
Isto é o que eu gostaria de ter podido dizer ao menino da mão fechada antes quedespetem os seus antagonismos e use essa mão para a violencia.
Jorge Santos meu pai
1931-1997
JORGE MANUEL MOREIRA SANTOS
TENHO ÂNSIA DE VIVER
DE SER FELIZ.
E TUDO FAÇO PARA O SER
SEM TER
NUNCA O QUE QUIS .
E O QUE NÃO QUERO
TENHO DEMAIS.
MAS O QUE TENHO
NÃO É MEU:
É DE OUTRO SER
QUE NÃO SOU EU.
CHORO SEM GEMIDOS,
EM SOLUÇOS
SUFOCANTES,
DE RAIVA,
DE DESESPERO,
SEM FORCA
P'RA CONTINUAR
A TENTAR.
SONHOS QUE SONHEI,
HISTÓRIAS QUE FANTASIEI
PARA FUGIR À VERDADE
DA FRAQUEZA DO MEU SER!
CASTELOS
CONSTRUIDOS NA AREIA
DE UM MAR
SEM SEREIAS.
MEU CORAÇÃO BATE
MAIS FORTE
E MEU PULSO SEGURA
MAIS FRACO:
NÃO CONSIGO AGARRAR,
PRENDER,
RETER
O BOM, O BELO, O FELIZ
QUE COM ASAS DE BORBOLETA
PASSA NUM ESVOAÇAR
SALTITANTE.
NO MEU PEITO
O SOLUÇO ANGUSTIANTE
NOS MEUS OLHOS
A LÁGRIMA
QUE NÃO QUIS .
E, AGORA,
UM ADEUS,
UM IR EMBORA
DE AO PÉ DOS MEUS
QUE DEIXARAM DE SER MEUS.
QUE COM DEUS FIQUEM
E EU QUE VA COM DEUS
Quando cheguei a Angola constatei, com uma certa satisfação, que a famigerada P.I.D.E Policia Internacional e Defesa do Estado) se preocupava mais com o crescente nacionalismo negro do que com a repressão às opiniões adversas à ditadura de Salazar.
Com efeito, com o início da concessão da independência, por parte da Inglaterra às suas colónias em África, a que se seguiu a independência das possessões francesas e belgas, começou a ganhar expressão o sentimento nacionalista angolano
Este nacionalismo incipiente, começou a ser desenvolvido por um grupo de negros de educação de nível superior, obtida nas universidades portuguesas, como era o caso dos médicos Agostinho Neto e Américo Boavida, do advogado Diógenes Boavida e dos irmãos Pinto de Andrade, para citar, apenas , alguns dos principais nacionalistas.
Quem conhecer bem a índole do Português, sabe, perfeitamente, que é um povo por natureza "não racista", sendo gentil e carinhoso. Então, em Angola, não havia nenhum problema de racismo como existia no Congo Belga e na África do Sul e Rodésia.
A população de Angola era constituída por uma maioria negra assustadora e uma minoria branca algo etilizada : não se podia ir para Angola de qualquer maneira: teria que haver a responsabilidade de uma empresa local que garantisse o emprego e a passagem de retorno no caso de seu empregado adoecer, ou mesmo morrer, ou de não comprovar as suas anunciadas aptidões.
Havia, sim, a exploração capitalista que atingia todo o mundo, e o negro, constituindo , na maioria, a classe mais baixa, era o que sofria mais na pele essa exploração capitalista.
Por outro lado, algumas culturas tinham, por parte do Governo, um tratamento de protecção diferenciada consoante se tratasse de cultivador branco ou negro.
O escândalo maior estava no algodão, cuja exportação para Portugal estava entregue a um monopólio que se estendia à própria venda do produto no mercado internacional.
Certa feita, um grupo considerável de agricultores negros, não concordando com o preço de venda ou com o salário, resolveu não fazer a colheita, preferindo perdê-la. Como represália e conforme notícia que corria na época, o monopolista afretou um avião e mandou metralhar os grevistas.
Este evento teve uma má repercussão em todos os sectores da população e deu origem a que o "grupo", acima referido, se deslocasse a Lisboa para apresentar o seu protesto ao Sr.Presidente do Conselho de Ministros que, em resposta, ordenou a detenção de toda a comitiva, para, mais tarde, facilitar a sua fuga para o exílio.
E assim nascia, no exílio e com o apoio dos países do leste Europeu, o "Movimento para a Libertação de Angola-MPLA ".A primeira acção terrorista deste movimento, deu-se no dia 4 de Fevereiro de 1961, quando atacaram uma cadeia objectivando a libertação de presos políticos.
O MPLA tendo recusado o apoio dos países, do resto da Europa, que por sua vez estavam desejosos de pôr, de novo, o pé em África, ensejou a que surgisse um segundo movimento nacionalista, de forte carácter terrorista:-o FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) que, em meados de Março , desencadeou massacres violentos entre a população do Norte, branca e a negra, que não tivesse aderido às suas cores .
Mais tarde, e por dissidência interna, o Dr. Savimbi separou-se do MPLA e formou a UNITA cujo quartel general estava no interior das matas do leste Angolano, enquanto que o dos outros movimentos se instalavam no solo tranquilo do continente europeu.
Estes três movimentos nunca conseguiram uma união entre-se , pelo contrário,guerreavam-se , sempre que se encontravam e, inclusive, em certos pontos do país, defendiam os fazendeiros brancos dos ataques de qualquer movimento rival.
E não fora assim, não teria havido a possibilidade de uma resistência a êsse terrorismo durante tantos anos. Era um nacionalismo atípico, um terrorismo de todos contra a população e exército "branco" e guerra civil entre os movimentos.
Esta situação manteve-se até 1974, quando conseguiram um ano de autonomia como treino para a independência que seria concedida no ano seguinte, e, a partir deste evento e na disputa do poder, a guerra civil entre os três movimentos deflagra de uma maneira generalizada, mas com muita violência, nas principais cidades, principalmente na capital, Luanda.
E, a pouco e pouco, começaram a deixar de haver condições, mais de subsistência do que de sobrevivência, tanto para o branco, quanto para o nêgro , quanto, ainda, para o mulato. E cada um começou a regressar à sua terra de origem:: os do Norte fugindo para o Norte, os do Sul para o Sul, os europeus para a Europa, enfim, cada um ia para onde julgava estar a salvo.
Luanda bem depressa ficou deserta, parecendo uma cidade fantasma, principalmente à noite, quando os prédios se erguiam em direcção do céu escuro, como breu, sem qualquer luz que saísse das janelas, agora trancadas, com as portas de madeira fechadas pelo lado de dentro das vidraças .
Era, paradoxalmente, o fim de uma colónia e de um novo país
DESLOCADO
1962 tinha sido o ano do deflagrar do terrorismo, mas, nem assim, pensava abandonar Angola. Neste ano, porém , e oito anos após ter partido para Luanda, as saudades eram muitas e fomos passar algum tempo, de férias, em Coimbra
-Então, filho, vocês ficam cá, não ficam?
-Mas porquê, Mãe?
-Aquilo, lá em Angola, está tão mau! Não basta já vos terem morto um parente?
Minha mãe referia-se ao assassinato de um dos meus cunhados, ocorrido numa fazenda de café, no norte de Angola, por altura dos massacres de Março.
-Mãe, não falemos mais nisso. Chego a ter medo de viver naquela incerteza e insegurança e não me faça lembrar coisas tristes.
-Mas, Vocês podiam cá ficar...competente como és, também arranjavas emprego ...
-Emprego arranjava! Mas isto aqui já não é a minha terra. Falo sério. Sinto-me um estranho: falta-me o sol, o calor, as distâncias grandes, eu sei lá mais o quê!... Aqui, temos os mesmos negros que temos lá, só que têm pele branca. E, até quando, os de cá, irão aguentar a miséria, a exploração em que vivem ? Hoje, Mãe, já ninguém sabe onde se está bem!
-Talvez tenhas razão-aquiesceu e continuou:
-Mas eu é que não conseguiria viver nessa terra depois do que aconteceu.
-Sim, Mãe, foi horrível o que aconteceu e está acontecendo. Morrem inocentes de ambos os lados num terrorismo que podia ter sido evitado. Se as coisas tivessem sido feitas de outra maneira, em vez de terrorismo haveria um movimento pró-independência, com quase toda a população branca aderindo a esse movimento. Seja como for , Mãe!, no dia em que deixei Coimbra , nos dias em que meus filhos nasceram naquela terra, Angola passou a ser a minha terra, também.
MInha Mãe ficou, por alguns momentos, calada com ar triste. Depois vendo-me vestir o paletó, perguntou-me, num tom ainda mais triste:
-Vais sair ? Estás zangado?
-Não. Vou, apenas, dar uma saudinha : recordar velhos tempos no Centro.
Era a primeira vez que visitava Coimbra depois de uma ausência de oito anos. No centro da cidade, encontrei alguns amigos, de tempos idos, que olhavam para mim com curiosidade, para a minha pele escura, para o meu ligeiro sotaque de africanista. Pediam-me para lhes falar do terrorismo. Mas para quê falar-lhes ? Contar-lhes o quê ?
Aqueles dias de Março , milícias organizadas, pseudo armadas, contra um inimigo escondido sempre em qualquer lugar... Noites passadas em claro, de armas na mão (que não disparavam de velhas que estavam!), interrogando os negros que passavam no meio da noite:
-Vocês donde vêm ?
-Do Matadouro ...
ou
-Vocês para onde vão ?
-A gente vai para o matadouro , trabalha lá.
E quantas vezes se comentava:
Eles parecem que têm mais medo do que nós!
-Mais medo do que eu é que não têm: eles são muitos e nós somos poucos e estamos, para aqui, abandonados pelo Governo , pagando um pato que não comemos!
-Isto não é por culpa do Governo: é uma evolução histórica, cíclica , a que os governos colonizadores não conseguem furtar-se.Pequenas nações são conquistadas, formando grandes impérios que, mais tarde, se fragmentam em pequenas nações recomeçando o ciclo ...
-O Senhor fala bem e bonito...aqui! Mas, gostava de o ver falar lá no interior, na mata, onde as coisas estão bem "quentes"...
-Mas, se Você tem, assim, tanto medo , porque^ não vai embora?
-Seria bom, só que não tenho para onde ir: a minha terra é esta; nasci aqui.
Quantas vezes diálogos como este eram escutados, e outros, dos quais se poderia concluir que, para nós, brancos em Angola, havia dois inimigos: o terrorismo e o Governo Português que tardava em conseguir uma solução.
Para quê, pois, falar, em Coimbra, aos meus "amigos" de Portugal, sobre o terrorismo em Angola? Qual a dúvida que não ficaria esclarecida ? Qual a verdade que não lhes seria contada? Qual a mentira em que melhor acreditariam?
Mais tarde, já em casa, minha Mãe voltou ao assunto dizendo;
-Quer dizer que voltas para lá ?
-Sim, volto.
-Pois é: aquilo já é a tua terra...
DE PORTUGAL PARA O BRASIL COM UMA PARADA EM TERRAS AFRICANAS
1ª.PARTE:-SEM IRONIA E SEM ALEGRIA
1-UM POUCO DE HISTÓRIA...
2-A TOMADA DE UMA DECISÃO
3-BATISMO
4-ONDE SE FALA DE PERFUMES
5-UM POUCO DE HISTÓRIA-2
6-DESLOCADO
7-SÓ PORQUE NÃO SABIA DANÇAR O MERENGUE
8-EUROPEU AFRICANO OU VICE-VERSA
9-A DÚVIDA
10-O ADEUS
11-TRISTEZA
12-TÉRMINO DA VIAGEM
DE PORTUGAL PARA O BRASIL
1ª.PARTE
Coisas que eu não queria recordar
UM POUCO DE HISTÓRIA
Quando em 1927 Salazar assumiu, em Portugal, o Ministério das Finanças, o país encontrava-se numa situação financeira caótica devido à instabilidade dos governos parlamentaristas aanteriores.
Salazar teve o grande mérito de restabelecer a credibilidade de Portugal junto ao Povo e junto aos credores internacionais ganhando, com isso, um prestígio interno tão grande que lhe permitiu apossar-se do poder através de um golpe legislativo: a Constituição de 1933.
Ao abrigo dos dispositivos legais, foi criado um Conselho de Ministros, de que Salazar passou a ser o presidente; os ministros, que o constituíam, eram nomeados pelo Presidente da República, por sua indicação.
Deste modo, Salazar passou a governar o país, passando o Presidente da República a ser uma figura meramente decorativa. Por outro lado, existia um só partido político:-o do Governo, de que Salazar era o presidente.
A grande competência e inteligência de Salazar nunca foram contestadas e era um homem extremamente honesto, humilde e religioso.
Celibatário, levava a vida de um monge, não perdendo por esse fato, a visão do mundo da sua época. Apostou no nacionalismo forte do nazismo e organizou, politicamente o país com base nos princípios do fascismo italiano.
Austero, de linha conservadora, não admitia, em absoluto, nada que pudesse abalar a estrutura do sistema por ele criado. Para sua melhor segurança criou uma polícia: A Policia Internacional e Defesa do Estado, a célebre P.I.D.E. que só perdia para a Gestapo de Hitler, na eficiência em como obtinha confissões de crimes ou pseudo crimes políticos.
Era um orador excelente e a eloquência da sua oratória conseguia entorpecer o povo que acabou por consentir na sua castração política, numa cirurgia sem dôr.
A ditadura de Salazar arrastou-se por mais de três décadas e, por sua morte, assumiu o Governo, o Professor de Direito, Marcelo Caetano, cria da casa, mas mais liberal, e que iniciou, por assim dizer, um processo de democratização do país, não conseguindo, no entanto, evitar o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974.
Eu nasci em 1931 e, durante as décadas seguintes, a crise portuguesa nunca foi financeira, mas de desenvolvimento industrial que os Americanos, no seu próprio interêsse, promoveram no mundo, principalmente ao abrigo do Plano Marshal, plano de ajuda aos países partícipes da 2ª. Guerra Mundial. Espanha e Portugal ficaram, por isso, do lado de fora e com uma dependência, muito grande, dos países que tinham recebido a ajuda americana.
A crise, portanto, era de falta de crescimento, provocando uma situação de sub-emprêgo e a solução, para fugir a essa situação, era a emigracão para as colônias, para o Brasil e EUA.
E para não fugir à regra, meus irmãos, mais velhos, foram os primeiros a partirem para África (Angola). Mais tarde, em 1954, e desistindo da faculdade de direito, em Coimbra, fui eu que parti, meio na aventura, sem emprêgo, contando, apenas, com a ajuda valiosa dos irmãos que, naquela terra africana, já tinham constituído suas famílias e consolidado as suas posições.<p,pp>
<fnTOMADA DE UMA DECISÃO
Era já fim de tarde, a luz do dia desaparecendo e meu Pai continuava silencioso, sentado, bem ali na minha frente, aparentemente absorto na contemplação do cigarro que, repetidas vezes sacudia no cinzeiro.
Tinha acabado de lhe anunciar a minha decisão de ir para Angola e eu sabia o quanto isso lhe iria custar em saudades e tristeza. Foi então que quebrou o silêncio:
-Bom: nem sei que dizer quanto à tua decisão. Gostava que tirasses um curso superior, mas, nesta terra, não faltam "doutores". E, depois -quem sabe?-posde ser que não venhas, nunca, a sentir a falta dêsse título. O que me custa é ires para tão longe.
-Pai, é longe, sim, mas não volto atrás com a minha decisão, embore me custe muito deixá-los aqui sòzinhos. -Meu Pai cortou imediatamente:
-Não há-de ser nada, não: acho até que fazes bem em ir. Isto aqui é uma trampa: futebol, fados e discursos e mais discursos, evocando feitos, de grandes portugueses, na boca de quem devia envergonhar-se da miséria em que vivemos. Somos um país sem qualquer prestígio entre os restantes.
Tentei discordar, embora soubesse que nada adiantaria. Conhecia bem as convicções de meu Pai, tantas e tantas vezes debatidas, no lusco-fusco dos fins de tarde:
-Pai, olhe que não é assim tão mau como diz. Não é aquilo que desejávamos que fôsse, mas é muito melhor do que outros paíse que foram igualmente grandes num passado histórico...
-Não sei em quê!-atalhou meu Pai e continuou- a questão é que tu nasceste dentro do regime, já és um produto do sistema e, por isso, não sentes tanto a castração como eu a sinto.-silenciou por uns momentos, pisou o cigarro no cinzeiro e continuou:-
-Olha: o meu maior desgôsto é o dos meus filhos terem nascido num regime de escravatura, uma escravatura imposta por um homem que se divinizou e que, em vez de dioptrias,põe utopias nas lentes dos óculos com que analisa os problemas do nosso país.
-Eu até o acusava de ser conservador demais... É a isso que o Pai chama utopia?-indaguei meio irónico !
-Não é a isso, não: utopia é tentar convencer um povo a viver feliz e a considerar-se desenvolvido, contando-lhe as glórias do passado, quando, no resto do mundo, os outros países já guardaram, há muito, essas glórias nos museus ou em bibliotecas e falam ao povo àcerca de seus planos para futuro.-e continuou todo empolgado:-
-Utopia é pretender manter um império colonial à custa de discursos de conteúdo histórico e de frases bombásticas e, na realidade, manter êsse império num estágio primário de agricultura, com tanto potencial para ser desenvolvido.
Parando de falar, olhou para o relógio: eram horas de fechar o estúdio. Levantou-se e, dirigindo-se para a porta, foi dizendo:
-Por isso é que prefiro que vás. Angola virá a ser um grande país, embora demore ainda algum tempo. Mas, mesmo assim, e até lá, creio que vais respirar um ar de mais liberdade do que aqui. Aquilo é terra para gente nova como tu.
E, voltando-se para mim, com o indicador apontado na minha direção, terminou num tom de conselho:
E, olha: só se te deres mal de saúde, caso contrário, vai e nãao penses mais "nisto
BATISMO
Estava-se em Fevereiro de 1955: fazia um mês que tinha chegado a Luanda e o ambiente que encontrei foi muito acolhedor. Muitos amigos de meu irmão iam até nossa casa para me conhecerem e darem as boas-vindas, com toda a simpatia.
Um dia, um dêles, entrou pela porta,sem bater e, ao ver-me, foi logo dizendo:
-É pá! Este é que é o teu irmão?-Meu irmão sorriu e fez a apresentação aquele seu amigo, que me observou dos pés à cabeça e, não tendo gostado do que viu, exclamou com ar gosador:
-Puxa! Olhem para a côr dêle! Se eu sou "café com leite",Você é mesmo leitinho de primeira!?
-O remédio é fácil: basta eu ir à praia dois dias seguidos, que já ficarei com uma côr igual à sua.-disse tentando aparentar uma calma que, na realidade não tinha.
-Tens que ir é beber água do rio Bengo; enquanto não fores, não podes considerar-te africanista. Lá é que será feito o teu batismo!-obervou meu irmão associando-se à brincadeira.
-Estás doido-interrompeu Pedro cheio de entusiasmo.-Qual água do Bengo! Ele vai ser batisado à minha maneira e por um padre muito especial. Jorge, vem daí comigo.
Mobilizado pelo seu ar decidido, nem tive tempo para recusar o convite. E fui com Pedro, moço africano, da minha idade, de ar jovial e brincalhão.
Entramos no carro e, deixando o asfalto, embrenhamo-nos no emaranhado das ruas dum " muceque", nome que lá se dá à favela.
-Para onde vamos?-perguntei meio receoso.
-Não tenhas mêdo: vais conhecer a minha lavadeira. Ela é que te vai batisar, ela é que te vai dar o alvará de africanista. Vais ver que vale muito mais do que qualquer uma dessas branquelas a que estás habituado.
Parámos à porta de uma "cubata" e Pedro chamou a Maria, com quem falou em voz baixa. Ela fez que sim com a cabeca. Depois entrei na "cubata" e Maria começou a tirar a roupa.
-Não Maria, Você não precisa despir-se, eu não quero nada, não.
-Ué? Eu não presta, menino?-perguntou com ar angustiado.
-Não é nada disso: Você é boa.Só que agora não estou afim. Tome: isto é pra Você.
Sai acompanhado de Maria que, com ar atónito, olhava para mim e para a nota que eu lhe deixara na mão.
Pedro, ao ver-me, exclamou:
É pá! Isso foi mais rápido do que um coelho! Maria, como Você o despachou tão depressa?
-Menino: ele não fornicou não; só deu dinheiro pra mim!
Entramos no carro. Pedro nada comentou até chegarmos a casa, mas, aí, encarou meu irmão, com um ar consternado, e disse, deixando-se caír no sofá: pô! Podias ter avisado que teu irmão era racista!!!
ONDE SE FALA DE PERFUMES
Parecia que a minha ida para Angola tinha sido um exemplo seguido por muitos amigos meus. Mera coincidência, é claro,mas a verdade é que, constantemente, ia encontrando velhos amigos da minha saudosa Coimbra. E, um dia:
-Jorge? Jorge!
-Olá, Carlos,também tu?
-Sim,também vim, mas não estou gostando. É pá! É tanto negro! É demais. E o cheiro? Como é que Vocês o chamam ? É katinga, não é?
-É, mas escuta:-sinceramente não tinha gostado daquele desabafo, e continuei muito sério:
-Êsse cheiro também tu o terás se não te lavares e tinha-o, de certeza, a madame de Pompadour,se não usasse tanto perfume. Que é que tu dizes daqueles nossos patrícios, pobre gente sofrida que vive naquelas aldeias do interior, trabalham de sol-a-sol, nunca viram um trem na vida e só tomam banho, completo, no dia do casamento?
-Tudo bem, tudo bem.-contemporizou Carlos e continuou:-mas tu consegues gostar disto aqui? Conseguiste um bom "pistolão" e tens um bom emprêgo!.
Não gostei de novo, do tom com que Carlos falou e respondi-lhe com ar ainda mais sério:
-Não tenho um bom emprêgo, não: sou dactilógrafo! Mas gosto de estar aqui. É uma terra com uma outra dimensão, com um grande futuro à sua frente, se o souberem desenvolver. E. pelo menos, não existe, aqui, aquela mesquinhês que existe na nossa terra! As pessoas são mais francas, vive-se com mais confiança.
Carlos mudou, imediatamente de atitude e pretendeu dar uma explicação séria:
-Pode ser, mas o que me custa é habituar-me a tanta negritude; tento mas não consigo.
-Que tem a negritude ?-interrompi e continuei: -separa essa negritude por camadas sociais e vais ver que encontrarás muitos brancos iguais a ti, mas de côr negra, e se voltares a Portugal, lá encontrarás muitos nêgros iguais a êstes, mas de côr branca. É que, pelo menos para mim, não há o problema da côr. Existe, sim, diferenciacão social, nada mais.
Carlos começou a fazer gestos com as mãos dando a entender que não queria escutar mais. Depois, à guiza de despedida, disse sorrindo:
-Olha, Jorge, não gastes o teu latim: já vi tudo, já entendi: já te habituaste a usar carvão, mas eu continuo preferindo o pó de talco.
E afastou-se sorrindo, aparentemente feliz com a sua ironia. E foi a primeira e última vez que vi Carlos, naquele ano de 1957, e seguintes
. MEU PAI
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. JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS-uma parte de mim e por onde ando
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