Quando somos,
os outros divagam no erro!
Mas como é bom
esse erro,
e ser!
Amigos, cento e dez, ou talvez mais
Eu já contei.Vaidades que sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!
Amigos, cento e dez, tão serviçais
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que já farto de os ver me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente:
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver!...
Que cento e dez impávidos marotos.
Camilo Castelo Branco
Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.
POEMA EM LINHA RETA
( Paulo Autran declama Fernando Pessoa)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos de moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Pra fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes na vida ...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Estava eu sossegado depois de um almoço de domingo em familia, sentado em frente ao computador a pesquisar "coisas" de Fernando Pessoa, quando me deparo, com um poema "a lenda" que ouvira há muitos anos em casa de um tio no Porto, da Maria Bethania. Não teria mais de dez anos, foi em 1975 e tinha-mos acabado de fazer a ponte aérea Luanda-Lisboa.Esse poema "a lenda" naquela voz da Bethania, com aquele fundo musical "até pensei" de Chico Buarque, ficou-me de tal maneira na memória, nos meus sentidos infantis, que marcou, posso-o afirmar, o inicio pela admiração por estas tres grandes pessoas. O Pessoa ele mesmo, a Bethania fabulosa e o Chico para mim o melhor compositor da MPB.
Como encontrei o poema e já tinha a musica da Bethania e por ser realmente um belo momento, aqui partilho no Conteudos.
A LENDA
Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante que viria
De além do muro da estrada
Ele tinha que ter tentado
Vencer o mal e o bem
Antes que já libertado
Deixasse o caminho errado
Por o que a princesa vem
A princesa adormecida
Assim espera, dormindo espera
Sonho em morte a sua vida
E orna-lhe a fronte esquecida
Verde uma grinalda de era
Longe o infante esforçado
Sem saber que intuito tem
Rompe o caminho enfadado
Ele dela ignorado
Ela pra ele ninguém
Mas cada um cumpre o destino
Ela dormindo encantada
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divíno
Que faz existir a estrada
E se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada afora e falso
Ele vem seguro
E vencendo estrada e muro
Chega onde em sonho ela mora
Inda tonto do que houvera
A cabeça em maresia
Ergue a mão e encontra a era
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia"
Este poema que publico hoje, por hoje ser o primeiro dia de Maio, da autoria de Vinícius de morais, é fabuloso. A declamação de Mário Viegas, põe-me os pelos em pé. A imaginação de fazer este clip é do Sr. E. Almeida
. SER
. CRIANÇA DESCONHECIDA E SU...
. A LENDA
. CONTEÚDOS QUE VISITO
. CIGANA
. FASCINIO, ARTE E BELEZA NOS AUTOMOVEIS E NA MULHER
. JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS-uma parte de mim e por onde ando
. LAURINDA ALVES A SUBSTÂNCIA DA VIDA