Quando cheguei a Angola constatei, com uma certa satisfação, que a famigerada P.I.D.E Policia Internacional e Defesa do Estado) se preocupava mais com o crescente nacionalismo negro do que com a repressão às opiniões adversas à ditadura de Salazar.
Com efeito, com o início da concessão da independência, por parte da Inglaterra às suas colónias em África, a que se seguiu a independência das possessões francesas e belgas, começou a ganhar expressão o sentimento nacionalista angolano
Este nacionalismo incipiente, começou a ser desenvolvido por um grupo de negros de educação de nível superior, obtida nas universidades portuguesas, como era o caso dos médicos Agostinho Neto e Américo Boavida, do advogado Diógenes Boavida e dos irmãos Pinto de Andrade, para citar, apenas , alguns dos principais nacionalistas.
Quem conhecer bem a índole do Português, sabe, perfeitamente, que é um povo por natureza "não racista", sendo gentil e carinhoso. Então, em Angola, não havia nenhum problema de racismo como existia no Congo Belga e na África do Sul e Rodésia.
A população de Angola era constituída por uma maioria negra assustadora e uma minoria branca algo etilizada : não se podia ir para Angola de qualquer maneira: teria que haver a responsabilidade de uma empresa local que garantisse o emprego e a passagem de retorno no caso de seu empregado adoecer, ou mesmo morrer, ou de não comprovar as suas anunciadas aptidões.
Havia, sim, a exploração capitalista que atingia todo o mundo, e o negro, constituindo , na maioria, a classe mais baixa, era o que sofria mais na pele essa exploração capitalista.
Por outro lado, algumas culturas tinham, por parte do Governo, um tratamento de protecção diferenciada consoante se tratasse de cultivador branco ou negro.
O escândalo maior estava no algodão, cuja exportação para Portugal estava entregue a um monopólio que se estendia à própria venda do produto no mercado internacional.
Certa feita, um grupo considerável de agricultores negros, não concordando com o preço de venda ou com o salário, resolveu não fazer a colheita, preferindo perdê-la. Como represália e conforme notícia que corria na época, o monopolista afretou um avião e mandou metralhar os grevistas.
Este evento teve uma má repercussão em todos os sectores da população e deu origem a que o "grupo", acima referido, se deslocasse a Lisboa para apresentar o seu protesto ao Sr.Presidente do Conselho de Ministros que, em resposta, ordenou a detenção de toda a comitiva, para, mais tarde, facilitar a sua fuga para o exílio.
E assim nascia, no exílio e com o apoio dos países do leste Europeu, o "Movimento para a Libertação de Angola-MPLA ".A primeira acção terrorista deste movimento, deu-se no dia 4 de Fevereiro de 1961, quando atacaram uma cadeia objectivando a libertação de presos políticos.
O MPLA tendo recusado o apoio dos países, do resto da Europa, que por sua vez estavam desejosos de pôr, de novo, o pé em África, ensejou a que surgisse um segundo movimento nacionalista, de forte carácter terrorista:-o FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) que, em meados de Março , desencadeou massacres violentos entre a população do Norte, branca e a negra, que não tivesse aderido às suas cores .
Mais tarde, e por dissidência interna, o Dr. Savimbi separou-se do MPLA e formou a UNITA cujo quartel general estava no interior das matas do leste Angolano, enquanto que o dos outros movimentos se instalavam no solo tranquilo do continente europeu.
Estes três movimentos nunca conseguiram uma união entre-se , pelo contrário,guerreavam-se , sempre que se encontravam e, inclusive, em certos pontos do país, defendiam os fazendeiros brancos dos ataques de qualquer movimento rival.
E não fora assim, não teria havido a possibilidade de uma resistência a êsse terrorismo durante tantos anos. Era um nacionalismo atípico, um terrorismo de todos contra a população e exército "branco" e guerra civil entre os movimentos.
Esta situação manteve-se até 1974, quando conseguiram um ano de autonomia como treino para a independência que seria concedida no ano seguinte, e, a partir deste evento e na disputa do poder, a guerra civil entre os três movimentos deflagra de uma maneira generalizada, mas com muita violência, nas principais cidades, principalmente na capital, Luanda.
E, a pouco e pouco, começaram a deixar de haver condições, mais de subsistência do que de sobrevivência, tanto para o branco, quanto para o nêgro , quanto, ainda, para o mulato. E cada um começou a regressar à sua terra de origem:: os do Norte fugindo para o Norte, os do Sul para o Sul, os europeus para a Europa, enfim, cada um ia para onde julgava estar a salvo.
Luanda bem depressa ficou deserta, parecendo uma cidade fantasma, principalmente à noite, quando os prédios se erguiam em direcção do céu escuro, como breu, sem qualquer luz que saísse das janelas, agora trancadas, com as portas de madeira fechadas pelo lado de dentro das vidraças .
Era, paradoxalmente, o fim de uma colónia e de um novo país
DESLOCADO
1962 tinha sido o ano do deflagrar do terrorismo, mas, nem assim, pensava abandonar Angola. Neste ano, porém , e oito anos após ter partido para Luanda, as saudades eram muitas e fomos passar algum tempo, de férias, em Coimbra
-Então, filho, vocês ficam cá, não ficam?
-Mas porquê, Mãe?
-Aquilo, lá em Angola, está tão mau! Não basta já vos terem morto um parente?
Minha mãe referia-se ao assassinato de um dos meus cunhados, ocorrido numa fazenda de café, no norte de Angola, por altura dos massacres de Março.
-Mãe, não falemos mais nisso. Chego a ter medo de viver naquela incerteza e insegurança e não me faça lembrar coisas tristes.
-Mas, Vocês podiam cá ficar...competente como és, também arranjavas emprego ...
-Emprego arranjava! Mas isto aqui já não é a minha terra. Falo sério. Sinto-me um estranho: falta-me o sol, o calor, as distâncias grandes, eu sei lá mais o quê!... Aqui, temos os mesmos negros que temos lá, só que têm pele branca. E, até quando, os de cá, irão aguentar a miséria, a exploração em que vivem ? Hoje, Mãe, já ninguém sabe onde se está bem!
-Talvez tenhas razão-aquiesceu e continuou:
-Mas eu é que não conseguiria viver nessa terra depois do que aconteceu.
-Sim, Mãe, foi horrível o que aconteceu e está acontecendo. Morrem inocentes de ambos os lados num terrorismo que podia ter sido evitado. Se as coisas tivessem sido feitas de outra maneira, em vez de terrorismo haveria um movimento pró-independência, com quase toda a população branca aderindo a esse movimento. Seja como for , Mãe!, no dia em que deixei Coimbra , nos dias em que meus filhos nasceram naquela terra, Angola passou a ser a minha terra, também.
MInha Mãe ficou, por alguns momentos, calada com ar triste. Depois vendo-me vestir o paletó, perguntou-me, num tom ainda mais triste:
-Vais sair ? Estás zangado?
-Não. Vou, apenas, dar uma saudinha : recordar velhos tempos no Centro.
Era a primeira vez que visitava Coimbra depois de uma ausência de oito anos. No centro da cidade, encontrei alguns amigos, de tempos idos, que olhavam para mim com curiosidade, para a minha pele escura, para o meu ligeiro sotaque de africanista. Pediam-me para lhes falar do terrorismo. Mas para quê falar-lhes ? Contar-lhes o quê ?
Aqueles dias de Março , milícias organizadas, pseudo armadas, contra um inimigo escondido sempre em qualquer lugar... Noites passadas em claro, de armas na mão (que não disparavam de velhas que estavam!), interrogando os negros que passavam no meio da noite:
-Vocês donde vêm ?
-Do Matadouro ...
ou
-Vocês para onde vão ?
-A gente vai para o matadouro , trabalha lá.
E quantas vezes se comentava:
Eles parecem que têm mais medo do que nós!
-Mais medo do que eu é que não têm: eles são muitos e nós somos poucos e estamos, para aqui, abandonados pelo Governo , pagando um pato que não comemos!
-Isto não é por culpa do Governo: é uma evolução histórica, cíclica , a que os governos colonizadores não conseguem furtar-se.Pequenas nações são conquistadas, formando grandes impérios que, mais tarde, se fragmentam em pequenas nações recomeçando o ciclo ...
-O Senhor fala bem e bonito...aqui! Mas, gostava de o ver falar lá no interior, na mata, onde as coisas estão bem "quentes"...
-Mas, se Você tem, assim, tanto medo , porque^ não vai embora?
-Seria bom, só que não tenho para onde ir: a minha terra é esta; nasci aqui.
Quantas vezes diálogos como este eram escutados, e outros, dos quais se poderia concluir que, para nós, brancos em Angola, havia dois inimigos: o terrorismo e o Governo Português que tardava em conseguir uma solução.
Para quê, pois, falar, em Coimbra, aos meus "amigos" de Portugal, sobre o terrorismo em Angola? Qual a dúvida que não ficaria esclarecida ? Qual a verdade que não lhes seria contada? Qual a mentira em que melhor acreditariam?
Mais tarde, já em casa, minha Mãe voltou ao assunto dizendo;
-Quer dizer que voltas para lá ?
-Sim, volto.
-Pois é: aquilo já é a tua terra...
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