DE PORTUGAL PARA O BRASIL COM UMA PARADA EM TERRAS AFRICANAS
1ª.PARTE:-SEM IRONIA E SEM ALEGRIA
1-UM POUCO DE HISTÓRIA...
2-A TOMADA DE UMA DECISÃO
3-BATISMO
4-ONDE SE FALA DE PERFUMES
5-UM POUCO DE HISTÓRIA-2
6-DESLOCADO
7-SÓ PORQUE NÃO SABIA DANÇAR O MERENGUE
8-EUROPEU AFRICANO OU VICE-VERSA
9-A DÚVIDA
10-O ADEUS
11-TRISTEZA
12-TÉRMINO DA VIAGEM
DE PORTUGAL PARA O BRASIL
1ª.PARTE
Coisas que eu não queria recordar
UM POUCO DE HISTÓRIA
Quando em 1927 Salazar assumiu, em Portugal, o Ministério das Finanças, o país encontrava-se numa situação financeira caótica devido à instabilidade dos governos parlamentaristas aanteriores.
Salazar teve o grande mérito de restabelecer a credibilidade de Portugal junto ao Povo e junto aos credores internacionais ganhando, com isso, um prestígio interno tão grande que lhe permitiu apossar-se do poder através de um golpe legislativo: a Constituição de 1933.
Ao abrigo dos dispositivos legais, foi criado um Conselho de Ministros, de que Salazar passou a ser o presidente; os ministros, que o constituíam, eram nomeados pelo Presidente da República, por sua indicação.
Deste modo, Salazar passou a governar o país, passando o Presidente da República a ser uma figura meramente decorativa. Por outro lado, existia um só partido político:-o do Governo, de que Salazar era o presidente.
A grande competência e inteligência de Salazar nunca foram contestadas e era um homem extremamente honesto, humilde e religioso.
Celibatário, levava a vida de um monge, não perdendo por esse fato, a visão do mundo da sua época. Apostou no nacionalismo forte do nazismo e organizou, politicamente o país com base nos princípios do fascismo italiano.
Austero, de linha conservadora, não admitia, em absoluto, nada que pudesse abalar a estrutura do sistema por ele criado. Para sua melhor segurança criou uma polícia: A Policia Internacional e Defesa do Estado, a célebre P.I.D.E. que só perdia para a Gestapo de Hitler, na eficiência em como obtinha confissões de crimes ou pseudo crimes políticos.
Era um orador excelente e a eloquência da sua oratória conseguia entorpecer o povo que acabou por consentir na sua castração política, numa cirurgia sem dôr.
A ditadura de Salazar arrastou-se por mais de três décadas e, por sua morte, assumiu o Governo, o Professor de Direito, Marcelo Caetano, cria da casa, mas mais liberal, e que iniciou, por assim dizer, um processo de democratização do país, não conseguindo, no entanto, evitar o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974.
Eu nasci em 1931 e, durante as décadas seguintes, a crise portuguesa nunca foi financeira, mas de desenvolvimento industrial que os Americanos, no seu próprio interêsse, promoveram no mundo, principalmente ao abrigo do Plano Marshal, plano de ajuda aos países partícipes da 2ª. Guerra Mundial. Espanha e Portugal ficaram, por isso, do lado de fora e com uma dependência, muito grande, dos países que tinham recebido a ajuda americana.
A crise, portanto, era de falta de crescimento, provocando uma situação de sub-emprêgo e a solução, para fugir a essa situação, era a emigracão para as colônias, para o Brasil e EUA.
E para não fugir à regra, meus irmãos, mais velhos, foram os primeiros a partirem para África (Angola). Mais tarde, em 1954, e desistindo da faculdade de direito, em Coimbra, fui eu que parti, meio na aventura, sem emprêgo, contando, apenas, com a ajuda valiosa dos irmãos que, naquela terra africana, já tinham constituído suas famílias e consolidado as suas posições.<p,pp>
<fnTOMADA DE UMA DECISÃO
Era já fim de tarde, a luz do dia desaparecendo e meu Pai continuava silencioso, sentado, bem ali na minha frente, aparentemente absorto na contemplação do cigarro que, repetidas vezes sacudia no cinzeiro.
Tinha acabado de lhe anunciar a minha decisão de ir para Angola e eu sabia o quanto isso lhe iria custar em saudades e tristeza. Foi então que quebrou o silêncio:
-Bom: nem sei que dizer quanto à tua decisão. Gostava que tirasses um curso superior, mas, nesta terra, não faltam "doutores". E, depois -quem sabe?-posde ser que não venhas, nunca, a sentir a falta dêsse título. O que me custa é ires para tão longe.
-Pai, é longe, sim, mas não volto atrás com a minha decisão, embore me custe muito deixá-los aqui sòzinhos. -Meu Pai cortou imediatamente:
-Não há-de ser nada, não: acho até que fazes bem em ir. Isto aqui é uma trampa: futebol, fados e discursos e mais discursos, evocando feitos, de grandes portugueses, na boca de quem devia envergonhar-se da miséria em que vivemos. Somos um país sem qualquer prestígio entre os restantes.
Tentei discordar, embora soubesse que nada adiantaria. Conhecia bem as convicções de meu Pai, tantas e tantas vezes debatidas, no lusco-fusco dos fins de tarde:
-Pai, olhe que não é assim tão mau como diz. Não é aquilo que desejávamos que fôsse, mas é muito melhor do que outros paíse que foram igualmente grandes num passado histórico...
-Não sei em quê!-atalhou meu Pai e continuou- a questão é que tu nasceste dentro do regime, já és um produto do sistema e, por isso, não sentes tanto a castração como eu a sinto.-silenciou por uns momentos, pisou o cigarro no cinzeiro e continuou:-
-Olha: o meu maior desgôsto é o dos meus filhos terem nascido num regime de escravatura, uma escravatura imposta por um homem que se divinizou e que, em vez de dioptrias,põe utopias nas lentes dos óculos com que analisa os problemas do nosso país.
-Eu até o acusava de ser conservador demais... É a isso que o Pai chama utopia?-indaguei meio irónico !
-Não é a isso, não: utopia é tentar convencer um povo a viver feliz e a considerar-se desenvolvido, contando-lhe as glórias do passado, quando, no resto do mundo, os outros países já guardaram, há muito, essas glórias nos museus ou em bibliotecas e falam ao povo àcerca de seus planos para futuro.-e continuou todo empolgado:-
-Utopia é pretender manter um império colonial à custa de discursos de conteúdo histórico e de frases bombásticas e, na realidade, manter êsse império num estágio primário de agricultura, com tanto potencial para ser desenvolvido.
Parando de falar, olhou para o relógio: eram horas de fechar o estúdio. Levantou-se e, dirigindo-se para a porta, foi dizendo:
-Por isso é que prefiro que vás. Angola virá a ser um grande país, embora demore ainda algum tempo. Mas, mesmo assim, e até lá, creio que vais respirar um ar de mais liberdade do que aqui. Aquilo é terra para gente nova como tu.
E, voltando-se para mim, com o indicador apontado na minha direção, terminou num tom de conselho:
E, olha: só se te deres mal de saúde, caso contrário, vai e nãao penses mais "nisto
BATISMO
Estava-se em Fevereiro de 1955: fazia um mês que tinha chegado a Luanda e o ambiente que encontrei foi muito acolhedor. Muitos amigos de meu irmão iam até nossa casa para me conhecerem e darem as boas-vindas, com toda a simpatia.
Um dia, um dêles, entrou pela porta,sem bater e, ao ver-me, foi logo dizendo:
-É pá! Este é que é o teu irmão?-Meu irmão sorriu e fez a apresentação aquele seu amigo, que me observou dos pés à cabeça e, não tendo gostado do que viu, exclamou com ar gosador:
-Puxa! Olhem para a côr dêle! Se eu sou "café com leite",Você é mesmo leitinho de primeira!?
-O remédio é fácil: basta eu ir à praia dois dias seguidos, que já ficarei com uma côr igual à sua.-disse tentando aparentar uma calma que, na realidade não tinha.
-Tens que ir é beber água do rio Bengo; enquanto não fores, não podes considerar-te africanista. Lá é que será feito o teu batismo!-obervou meu irmão associando-se à brincadeira.
-Estás doido-interrompeu Pedro cheio de entusiasmo.-Qual água do Bengo! Ele vai ser batisado à minha maneira e por um padre muito especial. Jorge, vem daí comigo.
Mobilizado pelo seu ar decidido, nem tive tempo para recusar o convite. E fui com Pedro, moço africano, da minha idade, de ar jovial e brincalhão.
Entramos no carro e, deixando o asfalto, embrenhamo-nos no emaranhado das ruas dum " muceque", nome que lá se dá à favela.
-Para onde vamos?-perguntei meio receoso.
-Não tenhas mêdo: vais conhecer a minha lavadeira. Ela é que te vai batisar, ela é que te vai dar o alvará de africanista. Vais ver que vale muito mais do que qualquer uma dessas branquelas a que estás habituado.
Parámos à porta de uma "cubata" e Pedro chamou a Maria, com quem falou em voz baixa. Ela fez que sim com a cabeca. Depois entrei na "cubata" e Maria começou a tirar a roupa.
-Não Maria, Você não precisa despir-se, eu não quero nada, não.
-Ué? Eu não presta, menino?-perguntou com ar angustiado.
-Não é nada disso: Você é boa.Só que agora não estou afim. Tome: isto é pra Você.
Sai acompanhado de Maria que, com ar atónito, olhava para mim e para a nota que eu lhe deixara na mão.
Pedro, ao ver-me, exclamou:
É pá! Isso foi mais rápido do que um coelho! Maria, como Você o despachou tão depressa?
-Menino: ele não fornicou não; só deu dinheiro pra mim!
Entramos no carro. Pedro nada comentou até chegarmos a casa, mas, aí, encarou meu irmão, com um ar consternado, e disse, deixando-se caír no sofá: pô! Podias ter avisado que teu irmão era racista!!!
ONDE SE FALA DE PERFUMES
Parecia que a minha ida para Angola tinha sido um exemplo seguido por muitos amigos meus. Mera coincidência, é claro,mas a verdade é que, constantemente, ia encontrando velhos amigos da minha saudosa Coimbra. E, um dia:
-Jorge? Jorge!
-Olá, Carlos,também tu?
-Sim,também vim, mas não estou gostando. É pá! É tanto negro! É demais. E o cheiro? Como é que Vocês o chamam ? É katinga, não é?
-É, mas escuta:-sinceramente não tinha gostado daquele desabafo, e continuei muito sério:
-Êsse cheiro também tu o terás se não te lavares e tinha-o, de certeza, a madame de Pompadour,se não usasse tanto perfume. Que é que tu dizes daqueles nossos patrícios, pobre gente sofrida que vive naquelas aldeias do interior, trabalham de sol-a-sol, nunca viram um trem na vida e só tomam banho, completo, no dia do casamento?
-Tudo bem, tudo bem.-contemporizou Carlos e continuou:-mas tu consegues gostar disto aqui? Conseguiste um bom "pistolão" e tens um bom emprêgo!.
Não gostei de novo, do tom com que Carlos falou e respondi-lhe com ar ainda mais sério:
-Não tenho um bom emprêgo, não: sou dactilógrafo! Mas gosto de estar aqui. É uma terra com uma outra dimensão, com um grande futuro à sua frente, se o souberem desenvolver. E. pelo menos, não existe, aqui, aquela mesquinhês que existe na nossa terra! As pessoas são mais francas, vive-se com mais confiança.
Carlos mudou, imediatamente de atitude e pretendeu dar uma explicação séria:
-Pode ser, mas o que me custa é habituar-me a tanta negritude; tento mas não consigo.
-Que tem a negritude ?-interrompi e continuei: -separa essa negritude por camadas sociais e vais ver que encontrarás muitos brancos iguais a ti, mas de côr negra, e se voltares a Portugal, lá encontrarás muitos nêgros iguais a êstes, mas de côr branca. É que, pelo menos para mim, não há o problema da côr. Existe, sim, diferenciacão social, nada mais.
Carlos começou a fazer gestos com as mãos dando a entender que não queria escutar mais. Depois, à guiza de despedida, disse sorrindo:
-Olha, Jorge, não gastes o teu latim: já vi tudo, já entendi: já te habituaste a usar carvão, mas eu continuo preferindo o pó de talco.
E afastou-se sorrindo, aparentemente feliz com a sua ironia. E foi a primeira e última vez que vi Carlos, naquele ano de 1957, e seguintes
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