Faço hoje a reposição de mais um Post publicado em Agosto do ano passado. Assim, devagarinho, o Conteúdos vai ficando com tudo o que lhe pertençe.
OBRIGADO!
Viajar naquele autocarro, àquela hora da noite, com as ruas completamente desertas, fazia Ricardo sentir-se ainda mais estranho naquela cidade estranha. Era noite de jogo da selecção Brasileira e, quando tal acontecia, as pessoas recolhiam-se, bem cedo, a suas casas para não perderem a transmissão do jogo pela televisão. E, dentro daquele autocarro, ouvia-se, somente, o barulho da chuva batendo nas janelas meio embaciadas.
Também Ricardo se dirigia para casa mas por razões diferentes: ia simplesmente para casa após mais um dia, igual a tantos já passados, numa rotina que não tinha desejado mas para a qual contribuíra com a decisão de regressar ao seu país. Era a rotina de quem não tem nada para fazer senão aguardar o dia da partida, com hora marcada.
E, naquela monotonia de um autocarro vazio, viajando de noite, numa cidade vazia, aquele "obrigada", que Vilma lhe dissera, momentos atrás, não lhe deixava o pensamento.
OBRIGADA!...Porquê?
Quando Ricardo chegou a Manaus, sentiu uma alegria enorme pela perspectiva de iniciar um novo viver que marcasse o início de uma etapa, importante, na sua vida; a busca de uma certa libertação e tentativa de auto-realização.
A pouco e pouco, porém, essa alegria inicial começou a dar lugar a uma saudade sem fim, saudades, principalmente, de Cristina que tinha ficado longe na distância mas cada vez mais perto no seu pensamento, perto na obsessão que toda a saudade produz.
E foi, então, que conheceu Vilma e, à medida em que a ia conhecendo melhor, começou sentindo que uma luz, pequenina, tinha começado a brilhar em seu coração, tornando-o num ser mais alegre.
Mas que sentia por Vilma ? Amor?
Não, não era amor: era um gostar muito forte, mas sem amor ou paixão, um sentir-se alegre e feliz quando junto dela; um desejo forte de toca-la, abraçá-la e, porventura, beijá-la.
"Obrigada!"
Naquele fim de tarde estando os dois numa esplanada junto ao rio Vilma com uma voz triste perguntou:
-Porque Você vai embora?
-não gosta daqui?
Procurando olhá-la nos olhos, Ricardo respondeu fugindo à resposta desejada:
-mas eu gosto daqui. Aqui tenho família, aqui mora você, e você esta aqui comigo…
Vilma ficou olhando, de um modo carinhoso, mas interrogativo, e percebendo a pergunta, que iria ser feita, Ricardo se antecipou:
-Mas, apesar de gostar de você, vou voltar, amo Cristina.
Sentindo que tinha magoado Vilma, que escutou aquelas palavras olhando, o rio Negro acariciando os últimos raios de sol, Ricardo, entrelaçou os seus dedos nos dela, puxou-a para si e beijou-a, meigamente, no rosto onde uns olhos brilhavam pelas lágrimas a custo reprimidas.
"Obrigada!"
A chuva cessara e a pequena viagem tinha terminado. E fazendo, a pé, o resto do percurso para casa, Ricardo relembrava aquele percurso que, igualmente a pé, fizera com Vilma da esplanada até a Parada do autocarro e do que ali se passara.
Tinham caminhado, todo o tempo, em silêncio e, depois, parados, um em frente do outro, ficaram-se olhando, sem nada dizerem, até que, num impulso, Ricardo a envolveu nos braços e a beijou longamente, num beijo que não queria terminar, mas que a chegada do autocarro pôs fim. Depois, outro beijo, beijo carinhoso e rápido: o beijo do adeus:
-Até amanhã, Vilma- e Vilma não deixando de segurar a mão de Ricardo e olhando-o bem nos olhos, apenas respondeu:
-"Obrigada!"
Pensando, ainda, naquele "obrigada", procurando o sentido exacto da sua significação, Ricardo ouviu uma súbita manifestação ruidosa, de alegria, que vinha das casas do bairro onde morava e onde tinha já chegado. Entrando em casa, perguntou:
-Que aconteceu?
-Foi golo do Brasil!
Com a visão, ainda, de uma Vilma carinhosa e, diante daquele alegria contagiante das pessoas, Ricardo sentiu uma vontade enorme de exclamar:
-OBRIGADO EU!